sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Novos dias, novo ano.


No horizonte vemos 366 dias nos saudando. Folhas em branco, a serem escritas minuto a minuto. Apesar de ser um marco posto pelos homens e suas convenções, no engendramento de formular um calendário, nos dá esperança.
Escolhemos alimentá-la, a expectativa da novidade, novas possibilidades de sermos nós mesmos e de darmos passos mais acertados. A ruptura com um ‘velho-eu’ e com o já gasto ano de problemas batidos, do cansaço das ilusões desfeitas, do arrastar de nossos sonhos dia-após-dia. Encontramos na virada do ano uma espécie de portal que permite renovarmos as expectativas, iluminarmos os espaços dentro de nós e enchermos de gás os sonhos para assim voltarem a voar acima de nossas cabeças. Antevemos o corredor de portas a serem descobertas, todos os dias e isso enche de ânimo nossos corações.
Por isso, não importa até que ponto esta ‘passagem’ realmente modifica, metafisicamente, as nossas vidas. Se as cores, os trigos, as uvas, a lentilha, as ondas puladas, os desejos ou qualquer outra ‘tática’ darão um resultado efetivo – quem o sabe? É válido todo sorriso, toda lágrima, todo abraço, todo desejo e toda esperança – e a renovação de nós mesmos e de nossas relações. Crendice ou não, nos divirtamos com esse momento: afinal teremos muitos dias pela frente para sermos sérios, duvidosos, críticos, céticos.
Desejo a todos nós um ano cheio de momentos inesquecíveis, alegres, emocionantes, harmônicos, pacíficos – e que deles possamos tirar aprendizados que nos somem como seres humanos.
Assim, a partir da interação com as pessoas e desse contínuo caminhar (sempre crescendo) seja possível compartilharmos o melhor de nós mesmos e respeitar as outras pessoas em suas diversidades, gostos, sentimentos e opiniões. Valorizemos a diferença, pois ela dá a graça na vida.
E anseio o nascer, com essa saudável dinâmica entre as pessoas, da paz: uma sensação que preenche todos os vazios possíveis e nos permite ver melhor, consequentemente tomar melhores decisões – com calma, com confiança e com o coração cheio de amor-próprio.
Desejo sim saúde, abundância, amor... Na saúde – que a valorizemos para aproveitarmos todas as oportunidades permitidas por um corpo saudável e cheio de energia, desse modo evitando o desgaste mental do protelamento desnecessário. Da abundância – que a reconheçamos porque ela está nos mínimos detalhes circulantes em nosso cotidiano: nos alimentos, nas roupas, em nosso lar, nas pessoas à nossa volta, nos conhecimentos adquiridos. E quanto ao amor (ah, o amor!) – que sintamos verdadeiramente este sentimento e nos entreguemos a ele, sem receios, medo, mágoa, remorso, culpa ou outros bloqueadores; pois amar faz primeiramente um bem enorme a quem o sente. Derramemos, diariamente, nosso amor em nossas ações e olhares e palavras.
Neste novo ano, façamos a faxina de tudo aquilo que nada nos acrescenta e somente atravanca os nossos passos. Melhor fazermos algumas escolhas doloridas agora para nos concentrarmos nas prioridades. Desejo a todos nós propósito e foco – é momento de seguir cada um o seu caminho com força total; nos apoiemos nas dificuldades, mas dispensemos as bengalas (emocionais ou físicas) que iludem nossos passos.
Vamos abrir os braços e nos jogar neste novo ano. Vamos mergulhar, intensamente: que possamos estar inteiros em todos os 527.040 minutos de 2012.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Alquimia da vida

Toda semana ela ia ao mercado e colhia das fruteiras as peças mais delicadas e cheirosas que a natureza lhe ofertava. Num capricho invejável transformava vegetais em pratos cheios de vida e sabor. Mas um dia ele rasgou seu coração em pedaços mínimos, incontáveis, e ela se vegetalizou pra existência.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Micro-pensares | 004

{Faxinas} É necessário desengavetar emoções antigas para conseguir limpar as gavetas emboloradas de nossa consciência. 

domingo, 20 de novembro de 2011

Nessa dança

Uns se comprometem, outros ficam solteiros: é a vida comandando a dança e as pessoas escolhendo seus pares. E não adianta, queremos alguém com quem dançar em que o movimento seja fluido, natural, suave e emocionante. Queremos química e faísca no olhar. Queremos o toque de mãos e os corpos colados em sintonia. Queremos companhia pra muitas músicas e que haja alegria no suspense do silêncio entre-sons. Queremos um partner com cumplicidade, com quem possamos transgredir algumas regras. Queremos diálogo pra muitos assuntos. Queremos beijos de tirar os olhos das órbitas de tesão. Queremos fungada na nuca na hora de dormir. E que o abraço seja um refúgio contra qualquer tempestade. Queremos alguém pra descobrir novos passos, aprender e ensinar - que esteja descobrindo as aventuras da melodia da existência e saiba ser imperfeito ao nosso lado.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Micro-pensares | 003

[Com a idade...] Para algumas exigências, não temos a mínima paciência.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Subtrações

Vou rasgar teu véu de fome ...


{Consumir as tuas horas
  Roubar o teu sono
  Secar os teus líquidos
  Diminuir a tua sanidade
  Colher os teus suspiros}


... e [me] acabar contigo.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Micro-pensares | 002

Tudo aquilo que não é por nós superado fica a corroer lentamente nosso interior.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Micro-pensares | 001

Desconstituir paradoxos e revelar as certezas só é fato para aqueles que deixam de se surpreender com as contingências da existência.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Tempo pro amor

Poderia dizer que já era tarde – demais para entender o porquê daquilo tudo que eu via havia mais de duas semanas e não estava disposto a ficar batendo com a cabeça pelas paredes pra descobrir. Duas da manhã e eu via aqueles cabelos ruivos do meu lado, sentia o perfume do condicionador de morango (que eu tinha dado de aniversário) e estava acordado olhando o teto. Coisa mais sem graça! Ela sequer percebeu que eu tirei a barba que mantinha por dois meses a fio apesar das reclamações e ameaças de greve de sexo. Bárbara estava com aquela camisola larga o suficiente para enfiar as mãos por dentro e transparente na medida para ver os contornos dos seios. Que delícia de mulher que eu tinha e agora já não sabia mais se ela ia me expulsar da cama ou se ia grudar nos meus cabelos e me deixar sem fôlego num dos seus beijos compulsivos e intensos. Até me lembrei do dia em que nos conhecemos:
- Hmmm, Diego?
- Sim?
- Você vai ficar aí sozinho esperando o Antônio? Acho que ele vai ficar discutindo a relação por mais umas horas com a Renata lá em cima. Tem um pub aqui na esquina, vamos ali conversar e beber algo enquanto eles se “acertam” (aqui teve um tom malicioso e ela me olhou de um jeito que senti todos os pêlos do meu corpo arrepiarem, como se fosse uma “ola” num jogo de futebol).
Aqueles lábios cor-de-cereja-me-morde-e-me-lambe estavam se mexendo interminavelmente na frente dos meus olhos sem que eu me desse conta de que estava hipnotizado. Passaram-se horas e estávamos conversando como se nos conhecêssemos há décadas. Foi aí que ela atacou:
- Hmmmmmmm, Diego?
- ...
- Você vai ficar mais quanto tempo olhando a minha boca sem me beijar?
Eu paralisei. Uma estátua naquele momento sentia-se mais leve e livre... Congelei mesmo. Aquela mulher ma-ra-vi-lho-sa estava realmente me questionando quanto a uma atitude?
- Bárbara, eu...eu...
- Eu nada, me beija.
Foi beijo de cinema, eu senti aqueles lábios macios e desejei morrer. Sério. Se fosse pra morrer queria que fosse daquele jeito e naquela hora. Ela bagunçou totalmente os meus cabelos enquanto acabava comigo apenas com um beijo. E eu nem me importei! Logo eu, dono de uma vasta cabeleira encaracolada muito bem cuidada – que por levar muito tempo para ficar do “jeito certo” era protegida como um tesouro das mãos de qualquer ser vivo.
E depois de longas horas de beijos e de me deixar em ponto de bala, ela me olhou com uns olhinhos doces de menina inocente e disse:  - Tenho que ir ta? Já está muito tarde. Me liga.
Deixou o dinheiro do que consumiu em cima da mesa, saiu, pegou um táxi e eu fiquei olhando que nem um babaca enquanto ela sumia da minha visão. Foi sorte ou competência o fato de voltarmos a nos encontrar? Nunca saberei ao certo. Fiquei treinando como um otário umas palavras idiotas em frente ao espelho que saíram engasgadas quando falei ao telefone com a mulher que ocupava todos os cantos da minha mente.
Foram seis meses até que resolvemos morar juntos já que não desgrudávamos. Apesar de muitos amigos me alertarem de que poderia ser “uma fria” e de que estava tudo “muito rápido” eu não liguei e respirei fundo antes de mergulhar fundo e de cabeça.
Bárbara não fez com que me arrependesse, pelo contrário! Eu agradecia todos os dias a decisão de estar com ela debaixo do mesmo teto. Partilhávamos tudo e sempre dávamos muitas risadas – a gente acreditava que ficar resmungando não resolvia nada mesmo. Era uma atitude positiva, mas sem deixar de encarar a realidade quando necessário.
Talvez por isso a inveja crescia em torno de nós. Nunca fui de acreditar que isso fizesse efeito, entretanto de acordo com as circunstâncias fui obrigado a abrir meus olhos e perceber algumas estranhezas que começaram a ocorrer. Amigos meus começaram a discursar contra o meu relacionamento e fidelidade, além de questionarem a fidelidade dela também em relação a mim. As duas irmãs de Bárbara solteiras “convictas” (ou por falta de quem as agüentasse) lhe diziam para não confiar em mim, que eu estava prendendo-a demais e sufocando-a. E até a mãe dela que eu sempre achei que gostasse de mim fez questão de apresentar para mim o ex-noivo da Babi (como eu sempre a chamei) – um cara de futuro “promissor” como ela mesma definiu. Parecia uma reação em cadeia da inveja coletiva contra nós e eu comecei a achar que estava maluco e neurótico. Então resolvi deixar de lado e continuar me dedicando ao nosso amor.
Foi aí que alguma coisa aconteceu. A Babi estava mais introspectiva, distante, calada – algo que nunca foi. Começou a questionar sobre meus amigos, amigas, trabalho, ex-namoradas, família e sobre o que eu queria com ela, o que eu pretendia para o nosso futuro, porque eu tinha escolhido ficar com ela em vez de ficar solteiro. Que esquisitice! – Você está estranha Bárbara. Eu disse olhando sério, acho que pela primeira vez em todo o ano que estávamos juntos. Ela me olhou com olhos de garota abandonada e uma única e solitária lágrima (nunca vi outra naquele rosto lindo) rolou. Uns olhos verdes de piscina que queria se esvaziar e se conteve.
Dali em diante eu desejei ter morrido no meio daquele nosso beijo – já que brigas começaram a ocorrer todos os dias. Parecia loucura, mas era como se Babi quisesse me expulsar da vida dela e não tinha coragem. Talvez ela quisesse que eu fizesse isso para ser o vilão da história, mas eu não queria, foi sempre tudo tão bom...
As duas semanas que antecederam a minha insônia apocalíptica me deixaram zonzo: ora ela me agarrava, beijava, chupava, lambia, comia e ainda me fazia de sobremesa; ora ela mal olhava pra minha cara – como se nem me conhecesse.
Foi aí que quando consegui dormir, apaguei. Ao acordar, o armário semi-vazio e uma carta que dizia: “Diego, você foi a melhor coisa que me aconteceu. Me fez viver a mais intensa das paixões e eu tive medo do que eu pudesse fazer se te perdesse. Mas eu não fui sincera. Já está na hora de nos despedirmos antes que eu deixe de ser a mulher que você conheceu e amou. Adeus meu único amor. Te amarei para sempre aonde quer que eu esteja.”
Eu em pânico fui a todos os lugares e todos me disseram a mesma coisa: - Ela sumiu. Pegou as economias da herança do pai e sumiu no mundo.
Quase morri. Foi quando três meses e meio depois descobri que eu sempre saberia onde Bárbara estaria e sempre poderia visitá-la a qualquer horário, em qualquer momento.
Aí sim, eu soube que já era tarde demais.

domingo, 30 de outubro de 2011

Brisa

Deixo que o vento leve os anseios
Comungue as possibilidades
Desembarace os medos
E traga as novidades.


{A brisa passa e laça o que é certo pra se viver}

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Fatídicas verdades

Não é pelas vias que chegamos a um destino. É através dele que chegamos às vias. De fato. O factum misterioso que nos olha com olhos apertados de quem calcula os movimentos. E somos contrários [também contraditórios]. Na verdade vivemos num paradoxal reduto de tensão entre as vontades e as possibilidades. Avassaladoras. Puxam pelos cabelos e nos fazem voltar a cabeça para onde nem sequer olharíamos, na distração cotidiana. Falta o ar. De alguma maneira também falta compreender as dúvidas que pairam enquanto encontramos uma saída, uma resposta, uma desculpa. Vomitamos desculpas ante as ansiedades insatisfeitas. E calamos. Sim, o silêncio perturbador daquele que paralisa o passo e, frente ao panorama indecifrável, congela. Assustamo-nos com as travessuras da existência, a nos cobrar mais do que um robótico e patético andar de lá para cá [e de cá para lá]. Há algo mais. E nos pinica, e atravessa - com agulhas finas na medula dos sonhos deixados de lado [desfeitos entre as revoltas do vento da urgência de ter algo a mais].
Esse observador que nos leva aos abismos de dúvida e vertigem da ação tem uma malícia hábil. Vai conduzindo [de leve] até o espelho de uma inegável verdade crua - e nos abandona lá. A solidão do reflexo olho-no-olho que tanto queremos evitar.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Sussurros de poréns

Eu sussurro as minhas vontades
Ávida para que elas eletrifiquem as tuas também
Mesmo a distância
Mesmo em silêncio
Mesmo quebrando as regras que eu deveria seguir
[Talvez hoje eu queira tudo e amanhã não]


Eu respiro teus sons
Eles vibram em mim
Marcham através das possibilidades
[Quem sabe as mais virtuais]
Rompem minha serenidade
Construída por muita razão
[Na minha pilha de teorias]


Soma teu corpo, de leve, ao meu
Passo por passo
Palavra por palavra
[Ainda haverá a eternidade a nos olhar ali?]


Uma penugem de curiosidades se eleva
Eu esgueiro sorrateira entre rastros
Cada vez que vejo teu pontilhar no horizonte
[A imagem que espelha algo muito similar ao que percebo]


Não há memória, não há momentos
Um feixe de escolhas se estende inatingível
E eu observo, imóvel, a luz que cega e nos separa.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Inesquecível

Eu acordo todo dia num ritual de abrir os olhos e inspirar lentamente, umas oito vezes. Fico olhando pro teto e a pintura, que jaz, exposta e inacabada. Uma promessa. A solidão dos pincéis esquecidos entre as folhas amassadas na gaveta. Reviro os olhos e suspiro. Levanto como quem ressurge de uma viagem longa através da consolação do id entre-sonhos.

Já não sei mais tomar café e deixo sempre a xícara no balcão, antes de alcançar o pátio dos fundos. As plantas escondem a porta do ateliê, o vidro ficou opaco pelo tempo e falta de um pano úmido. Vejo um filme em que há um homem sorrindo, sujo de tinta, olhos marejados pela emoção de uma obra concluída. Quando volto para dentro de casa e procuro no espelho não consigo encontrá-lo. Só há barba por fazer e uma cicatriz.

O jornal inerte e atravessado na portinhola passa pelas minhas mãos e fica em cima de uma mesa que antes servia para jantar. As risadas ainda estão ali, na multidão de pratos por lavar e restos de comida congelada. O pé da mesa  roído lembra que todos são frágeis, todos têm começo, têm meio e fim. Atravesso o corredor e olho os fios do telefone cortados. A faca jogada no chão e um pouco de sangue insinuam a quase-fuga no desespero da ausência.

Outro dia enfrentei a porta da frente, cara-a-cara. Cheguei a sentir o calor do sol na pele enquanto a mão ainda segurava a maçaneta. Um carro quebrou meu silêncio e roubou minha paz ao lembrar do martírio de ser sobrevivente. Lágrimas literalmente pularam pelos olhos já vazios e sem brilho. Não consegui conter o grito guardado, que rompeu junto do barulho da porta ao bater atrás de mim.  Meu rumo certo: a cama de lençóis rançosos e rasgados pelos movimentos bruscos de quem se debate.


Algumas vezes resmungo, até. Parece que as minhas cordas vocais ainda conseguem balbuciar frases com nexo. Mas não consigo evitar sussurrar te amo pela manhã, antes de me dar conta de que foi só mais um sonho por você estar presente. Só escrevo neste caderno amarelo e manchado de café porque a minha irmã viajou até aqui para derrubar a porta e ameaçar me internar. Se eu fosse ameaçado de morte, certamente não moveria um músculo. Quem sabe daqui há alguns dias eu até consiga enfrentar novamente a porta, sem que seja para buscar uma caixa de mantimentos que recebo, com um braço só e a noite. Aí percebo vontade de continuar a ser e completar nossos planos. Inanição também nunca foi o meu forte, a raiva sim.



sábado, 13 de agosto de 2011

Dia dos pais

Neste domingo muitos não vão abraçar seus pais, assim como eu. No meu caso já não convivemos há 27 anos desde que ele partiu deste lugar que chamamos de Terra. Não pude conviver com aquele que foi parte concomitante para que eu possa falar-lhes hoje. Mas eu queria dizer algumas palavras ao meu pai por aqui:

Neste dia pai, tua garotinha te fala que cresceu... Queria que você tivesse me contado histórias, que tivesse me mostrado lugares, que tivesse me dado conselhos, que tivesse me abraçado algumas tantas vezes, que tivesse me visto crescer e amadurecer. 

Queria que tivesse me colocado pra dormir, que tivesse me levado e buscado em alguma festa, que tivesse me proibido de namorar, que tivesse me posto de castigo nas vezes que quis ser rebelde sem motivo, que tivesse me ensinado sobre agricultura e sobre plantas, que tivesse tocado violão enquanto eu cantava, que me levasse ao cinema e depois dissesse que o filme estava ruim, que me levasse ao estádio, que estivesse presente.

Pai, tua garotinha agora tem 30 anos e está quase formada. Sigo minhas paixões assim como creio que me dirias. Amo a natureza, os animais, as pessoas, a vida. Aprendo a cada dia mais um detalhe que sei fazer toda a diferença no amanhã. Aprecio o bom humor e conto piadas pra ver os outros rirem, assim como sei que fazias. Agradeço sempre que apesar de teres morrido, não te mataram para mim – mantiveram a tua presença através das histórias. Não convivi contigo, mas sei que sou muito parecida com quem eras. Minha mãe diz que nunca viu alguém ser tão parecido em personalidade sem ter convivido praticamente nada. Devem ser os genes, pai, que me fizeram esta guria cheia de si e de opinião – indomável. Acredito que talvez tivéssemos brigas homéricas se tivesses permanecido por aqui. Sim, certamente teríamos.

Por muito tempo te culpei por tua morte e agora peço desculpas. Peço perdão. Na vida isso não se controla, quem vai e quem fica, e teus cigarros foram um conjunto que favoreceu a tua partida. Mas hoje, com alguns anos de observação das situações e pessoas envolvidas, entendo que isso tudo é muito mais profundo do que parece. Talvez eu nunca saiba o porquê de não ter um pai aqui comigo, alguém que eu sei que me amaria incondicionalmente e me aceitaria apesar dos meus defeitos. Que certamente me ensinaria a lidar com eles da melhor forma e ser uma pessoa cada vez mais inteira. Eu te amo pai. Feliz dia dos pais.

Da tua filhotinha, Ana Carolina.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Paralisias

A vida paralisa. Incrível saber que estamos num fluxo contínuo, com muito a fazer, em pleno movimento, seguindo nossos objetivos - e de repente estamos parados olhando um ponto fixo na parede. Reavaliamos. O tempo parece passar numa velocidade inatingível racionalmente enquanto pairamos neste estado semi-humano. Nem na Terra, nem em nosso próprio corpo residimos. Estamos fora de alcance - e nem tente nos tocar. Nós mesmos gostaríamos de saber o ponto cartesiano em que fixamos morada temporária. Falam da teoria dos mundo paralelos e eu devo ir pra lá nesses momentos. E talvez fique mais tempo porque não tinha passagem de volta, atrasou o voo dimensional ou algo assim. Frustrante.

A felicidade paralisa. O extremo de nossas expectativas, talvez até as mais pueris, visto de perto nos confunde. Algo que jamais achamos que existisse se materializa, como por um feito surreal e ficamos em choque. Se beliscar fosse cura ficaríamos completamente vermelhos, de vergões. E quando pensamos racionalmente tudo parece tão patético, esta nossa comoção, mas não - veja bem - isso de nenhuma forma é motivo de chacota interior: somos humanos e temos o direito de duvidar, questionar, avaliar, perceber mais além. Entretanto isso pode causar danos temporários às nossas ações. É aquele lado cético, bem cultivado desde a mais tenra idade que diz que o maravilhoso é impossível, e se é possível então não é real. E se é sonho é melhor parar agora porque podemos nos machucar no futuro, vai que um dia acordamos e... nada.

A dúvida paralisa. O pior é que ela surge como uma pequena fumaça e cria corpo, cria forma, toma espaço. Vira uma neblina que não nos deixa perceber, de fato, as situações - tais como são. Criamos armário, esqueleto e o jogamos lá dentro. Seria mais fácil parar de alimentar uma imaginação, uma projeção distorcida que não vem de lugar nenhum além de nós mesmos. Talvez seja mais fácil ficar em dúvida, porque temos desculpa para a paralisia e a não-escolha. Espertos e estúpidos ao mesmo tempo, sofremos e massacramos por nossas próprias 'mãos'.

O medo paralisa - e como! Longe de ser apenas precaução ele atinge alturas extremas e nos causa vertigem. Estaqueados e de pernas bambas olhamos o horizonte com receio de avançar o passo. E virá outro mais além. Não! É... não sei. Eu quero, mas... Bem, ninguém obriga nossos pés a avançarem no trajeto e só nós mesmos podemos nos 'empurrar'. Escolhas. Os dias estão repletos delas e talvez seja um tema repetitivo para abordar por aqui. O mais importante é que escolhamos por nossas próprias vontades ao invés de entregarmos nossa vida nas mãos de outros que não sabem o que realmente faz nossos corações baterem mais forte. As prioridades alheias são diversas das nossas, e muitas vezes o que eles consideram como primordial não o é para nós. Aceitamos os conselhos, por sabermos de seu carinho e preocupação com nosso bem-estar. Na hora da escolha, de dar o passo: somos nós que vivenciaremos as consequências. Reclamar depois é inútil. Falhe, mas faça isso com convicção, através da tentativa do acerto. 

{Paralisar-se faz parte do processo dinâmico da existência. Saibamos reconhecer as pausas de que necessitamos para ressurgir com energias renovadas e agarrarmos novamente as 'rédeas' de nossas ações.}

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Poesiática

Meu DNA esconde a poesia.
Ela escorre entre minhas moléculas,
Reafirma-se entre minhas células,
Movimenta-se entre meus glóbulos,
Energiza-se entre minhas sinapses
E se faz visível entre meus movimentos.


Sou atomicamente poética,
Inegavelmente,
até o fim.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Poréns

Há tanto que gostaríamos de expressar em palavras, enquanto nossos pensamentos continuam tecendo outras teorias. 

[E tudo isso enquanto vamos criando uma trama (ás vezes patética) de porquês para sentirmos que o chão está realmente debaixo dos nossos pés.]

Entretanto, quando finalmente decidimos entrar em ação, uma fila de poréns abre espaço entre as vontades e a imobilidade vence - mais uma vez.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Protelar

Indefinidamente deixamos para depois o desafio - quando basta somente a decisão para continuarmos a caminhar e sermos inteiros.