sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A caminhada

     Enquanto trafegamos pelos caminhos da vida, encontramos diversas formas de percorrê-los. Tentamos mudar de veículo pois achamos que o problema de não chegarmos a lugar algum é a potência desse motor. Trocamos de carro e, a cada vez, percebemos que não temos muito sucesso com isso. Então mudamos as pessoas junto de nós, devem ser elas a causar estes tumultos limitando a nossa busca pelo amanhã da felicidade... engano. Uma pessoa depois da outra, várias opiniões, desejos, sentimentos, crenças e modos de agir completamente diversos. Mesmo assim estamos ainda fora da zona de alegrias desejadas, o nosso conjunto de sensações indescritíveis. 
         Toda vez nos frustramos, uma depois da outra, repetidamente - até que nos damos conta da busca equivocada, dos problemas causados por um erro de interpretação. Passamos correndo para o amanhã sempre distante e esquecemos de aproveitar esse exato momento, transbordante de possibilidades de ser feliz. Não são os olhos, mas o olhar. Não é o veículo, é a maneira de conduzi-lo. Não são as pessoas, e sim como interagimos com elas. Não é o local, mas se estamos inteiros nele. Não é o acúmulo de coisas, e sim a forma como nos utilizamos disso.
         Caminhamos para o fim sem aproveitar o meio e levando o antes como uma bola de chumbo, pesada e melancólica. Olhos cheios de esperança com as novas circunstâncias e perdidos do foco do agora: o mais importante. Quem seremos amanhã? Ainda um agrupamento de moléculas. Ainda um tumulto de sensações, sentimentos, ânsias. Ainda completamente falíveis. Ainda com arrependimentos, mágoas e medos.
        Vai fazer diferença acordar para este aqui que não é nenhum outro lugar, nenhum outro momento, nenhuma outra realidade. Estar presente dentro do próprio corpo faz valer a pena cada obstáculo {temporário} que se põe entre os nossos pés. Não importam as crenças, importa viver.
          Aqueles que deixam de viver a própria vida apenas se esqueceram de deitar no túmulo.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Congelar o momento

Se quiser ler direto no meu perfil clica aí. {Aproveite e crie algumas charges também}

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Meu depois

    Quero uma história contada de trás para a frente. Nessa trama, descobrir os caminhos reversos de escolhas que ainda nem fiz. Entre os detalhes, perceber os movimentos transitórios {talvez intransigentes, da vida} se acercando de minha zona de conforto ilusória e pacífica. Ver as aspas de sentidos ainda inacabados, de termos e situações concretas nesse futuro-passado-a-limpo.
  Preciso saber o final, para nesse entremeio me jogar. O tempo passa, sórdido e debochado entre os meus dias e me deixa sempre vagando no espaço de escolhas imperfeitas das infinitas possibilidades. Se o fim me olhar nos olhos quero compreender a vastidão dos seus porquês, intrínsecos, de um mirar longo e suspenso. 
   Me deixem ver depois da curva, através dessa janela virtuosa das respostas sábias adquiridas pela maturidade da caminhada. Prometo seguir o trajeto sem a pausa, dúvida ou medo. Assumo aqui o compromisso de fluir entre a marcha dos que preferem o não-saber e finjo ignorar o já-escrito a esperar por mim no amanhã. Entretanto, uma espiada ao menos - por favor!
   Sempre precisei de certezas, por mais falíveis que elas sejam: bem sei dos 'n' fatores impressos no DNA de cada ínfima chance de rearranjo dos acontecimentos. Há pessoas envolvidas no tramado das situações e essa teia é minuciosa em imprevistos difíceis de serem manuseados, principalmente pelos bisturis lógicos com os quais temos mania de esquartejar tudo e todos ao nosso redor. Admito a minha pretensão de possuir o controle, como se todos os dados estivessem disponíveis ao processamento e cruzamento das informações, momento a momento. Apesar disso, tropeço nos sinais despojados aqui e ali que me permitem reduzir o custo da energia gasta, desbravando os mistérios insolúveis do depois.
    Porém, imploro à misericórdia alheia um pouco de paciência: minha falibilidade humana me tira do eixo fixo e me põe em conduta pendular, a pesar os prós e contras de cada passo. Eu apresso, mas confesso, preciso divagar entre os murmúrios daquilo que aprendi com o passado e considerar até o mais improvável átomo para conseguir andar novamente.

domingo, 9 de setembro de 2012

À luz de velas

Eu não exibo a minha vida publicamente, porque ela não é um show. Não é, nem de longe, entretenimento alheio. Sou feita de carne e osso, sangro e sofro. Tenho feridas, não cicatrizadas, na alma. Caminho, corro, ás vezes tropeço e busco nisso tudo um sentido para ser cada vez melhor. Se parassem para me conhecer de verdade veriam que sou tragicamente humana e falha, mas com uma imensa vontade de fazer só o que é certo. Desistam do palco, e do show. Eu apaguei a luz, não há holofote... está tudo à luz de velas. Só na intimidade vão saber aquilo que palpita entre as minhas verdades.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

terça-feira, 31 de julho de 2012

Três piscadas

    Ele carregava consigo uma  foto tirada há mais de vinte anos, no exato momento em que tornava-se um biólogo, graduado pela universidade de sua cidade natal. Naquele tempo achava que teria tudo o que desejasse profundamente, sua vida se apresentava como um panorâmico hall de muitas portas a serem escolhidas. Foi entre os muros daquela universidade que havia aprendido uma noção mais clara da porção 'adulta' a ser encarada, a partir daquele momento. Assumiu tantas responsabilidades quanto foi possível, teve de fazer escolhas ao longo do percurso, e a pior de todas foi deixar Clara para trás. 
    Sabia de seu erro. Deixou-se levar pelas pressões da família: 'este não é o momento de assumir um compromisso desse tamanho', 'você precisa de uma vida estruturada antes', 'tem tanta vida ainda pela frente', 'virão outras e você vai sentir isso outra vez'. Não, não sentiu. O peito dele nunca encheu-se tanto de sentimento como quando estava perto dela. A vida ficava mais transparente enquanto conversavam, tudo parecia mais ao seu alcance. Entretanto foi levado pela enxurrada de decisões e absteve-se de lutar por sua doce amiga, cúmplice e amada Clara.
    O tempo passou e ele construiu a sua vida, cheia das 'estruturas' pedidas pelos seus familiares. Tinha nas mãos tudo aquilo pelo qual lutou todos aqueles anos, menos um amor. É claro que se apaixonou, algumas várias vezes, e sentiu o fogo lhe queimando por dentro. Desejou, e teve, mulheres de diversos biotipos e personalidades. Ainda assim, faltava algo. Algo tranquilo e ao mesmo tempo emocionante, para acompanhá-lo vida afora.
    Lembrou de Clara e resolveu voltar à cidade natal para saber notícias dos olhos verde-água mais cintilantes que havia visto. Foi até a casa azul de aberturas brancas, na esquina do antigo campo de futebol (agora supermercado) e bateu na porta. Abriu uma senhora idosa, de cabelos bem brancos e olhos tão verdes quanto os de sua amada. Questionou e descobriu o paradeiro da doce amiga de tantos anos. Seguiu caminhando pela avenida central, passou a igreja, a prefeitura e avistou o hospital. Entrou e foi secando as lágrimas enquanto caminhava corredores a dentro, em busca dela.
    No terceiro andar, frente ao quarto 35, segurou o ar entre as costelas e adentrou o recinto branco para avistá-la, pálida, sobre a cama. Ela continuava com seus olhos faiscantes de vida, por mais que o seu corpo padecesse do silêncio de movimentos e som. Clara estava tetraplégica, um acidente de moto causou o congelamento daquela moça tão alegre e de tantos sonhos em mente. Eles conheceram-se na universidade, mas faziam cursos diferentes: ele biologia e ela pedagogia. Amava crianças e queria contribuir para o desenvolvimento delas. Agora estava ali, inerte.
    Quando ela o viu, os olhos brilharam e pareciam saltar das órbitas. Ele pode perceber a felicidade daquele coração, enquanto o dele não sabia se chorava ou sorria. A enfermeira explicou como comunicar-se: uma piscada para sim, duas para não. Então ele ficou ali por horas, sentado ao lado da cama, segurando a mão de Clara, contado as histórias da sua vida e tentando saber dela aquilo que se passava por detrás dos olhinhos verdes. Já fazia quase ano naquele estado, praticamente solitário, de apenas olhar pela janela e tentar conversar com as enfermeiras. Os pais dela já eram falecidos, sua avó estava com dificuldades de se locomover e nem sempre conseguia reunir as suas forças cansadas pela idade para ali se aninhar, perto da neta. 
    Chegou o fim do horário de visitas, tinha de partir, além disso precisava retomar as aulas na universidade que agora lecionava. Ao mesmo tempo, precisava de mais tempo ali, perto dela. Seu peito rasgava-se num dilema enquanto despediu-se, prometeu voltar em breve, deu um beijo em sua testa macia e deu as costas atravessando a porta. Percorreu novamente os corredores em busca da saída que não queria encontrar. Ao alcançar a rua sentou-se nas escadas e chorou por mais de hora. Não conseguia achar justo tudo aquilo, não via sentido de Clara estar presa à cama e acorrentada de ações dentro de seu próprio corpo.
    Seguiu pela avenida, retornou ao hotel e tentou dormir. Tudo em vão. Sabia que se abandonasse seu único amor naquela condição jamais se perdoaria. Quando o relógio apontava dez horas da manhã ele estava ao seu lado, mais uma vez. Resolveu contar outras histórias, abriu o peito e expôs seus mais sinceros sentimentos para então lhe pedir o voto de confiança de seguir com ele para a capital. Queria tentar novos procedimentos para tratá-la, mesmo que se mostrassem inúteis para uma cura completa. Pelo menos gostaria de tentar contribuir para a doce moça realizar algum de seus sonhos, seguir com a vida, tentar comunicar-se melhor. Sabia dessa possibilidade, a tecnologia havia evoluído muito nas mãos capacitadas dos homens e tinha dinheiro para servir a esse nobre propósito.
    Clara aceitou a proposta, tinha ânsia de viver, de continuar a estudar, de enfrentar aquela situação. Entregou-se aos braços do homem que havia lhe abandonado no passado, mas a resgatava agora - e quando mais precisava. Prometeram visitas constantes a sua avó e mandar notícias todos os dias. Ele comprou uma cadeira de rodas toda equipada com aquilo que havia de melhor para permitir conforto e comunicação, através de um software e sensores. Ela conseguia agora expressar sentimentos, desejos, pensamentos - tudo de uma forma ampla e até abstrata. Voltou à universidade para realizar o mestrado, escreveu livros infantis e teve a vida social novamente para compartilhar toda aquela represada e quando ele olhava para ela conseguia ver o sorriso que sua amada esboçava internamente.
    Seguiram juntos, ambos com o coração repleto de paz. E todos os dias, antes de dormir e deitada na cama ao lado dele ela comunica, com seus belos olhos verde-água, através de três piscadas: eu te amo.


{Inspirado pelo episódio de Grey's Anatomy - S04E01 (21:36min)}

terça-feira, 24 de julho de 2012

As curvas

    É perigoso calcular nas entrelinhas da vida enquanto a ansiedade está nos comendo por todas as beiradas. Vamos forçando os ângulos de nossa visão, estreitando limites e acumulando vontades... sofrendo pelo mal da antecipação.
    O frio que sobe no estômago quer dizer alguma coisa, o olho que fecha e revira entre as palpebras quer emitir um sinal, as mãos que se esfregam sem cessar querem transmitir uma mensagem, os pés que atritam contra o chão precisam do entendimento: a pressa é nossa companheira.
   Temos ânsia de algo inominável, tateamos um universo desconhecido de possibilidades e esperamos sempre escolher o certo. Acontecemos entre os caminhos, esbarramos nas vontades alheias, nos esprememos entre as fendas que encontramos e fugimos do espaço limitado e sufocante de um cotidiano sem surpresas.
    É incoerente que sigamos na busca de uma via pavimentada e segura, mas por dentro desejemos uma estrada de curvas acentuadas. Talvez sejam as curvas que almejemos e os mistérios que residem por detrás delas. Precisamos da adrenalina do não-saber, da dúvida que revira o estômago, do frio na espinha de pensamentos que seguem para lados opostos.
    Parece parte inerente da condição humana esse desejo versus angústia pelo desconhecido. Ter certeza não soluciona, atrapalha, torna monótono, tira a graça de conquistar o próximo passo. Merecer a paisagem faz o quadro inteiro ter mais cores... e isso provêm de esforço.

Trapaças

A vida é feita de algumas pequenas trapaças, e a soma delas indica até que ponto estamos apenas protelando uma resposta {geralmente mais óbvia do que gostaríamos}.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Hipóteses


        De olhos vidrados no futuro, esqueceu as mágoas que arrastava por anos afora. Deixou de lado aquelas sentenças de vida ou morte, em que todo o universo parece conspirar sobre algumas circunstâncias. Preferiu arriscar alguns passos, um após o outro - mirando um mergulho profundo no amanhã. Mas eis que as correntes de auto-sabotagem zuniam ao seu redor, tornando a sua decisão uma dúvida e trocando as certezas por inúmeros pontos de interrogação.

'Me desculpe, eu não sei se posso...' - os olhos pousados sobre os próprios joelhos.
'A questão não é se pode ou não: você quer?' - uma mão esfregando a outra, pausa para colocar a mecha de cabelo atrás da orelha direita, o olhar sobe ao encontro do dele.
'Sim.'
'Ninguém disse que seria fácil dar essa guinada completamente inusitada em nossas vidas. Mas pelo que conheço, o caminho fácil não nos chama muito a atenção, então...' - Ele sorri aquele sorriso de garoto entusiasmado, com uma covinha marcada no canto da boca.
'Eu pensei que realmente seria fácil, pelo menos uma vez na vida. É um pouco desgastante essa postura de fazer sempre o certo.'
'Vai valer a pena, e posso arriscar dizer que já está valendo.'

      Acordou do sonho completamente zonza. Já era 17 horas e estava atrasada, algo habitual em seu cotidiano. Foi aquele relaxante muscular, por que raios tinha deitado na cama se tinha tantas coisas a resolver? Mas dessa vez ela iria ser um pouco mais rápida, era questão de honra. Tomou um banho rápido, jogou as suas coisas dentro da bolsa, fechou as janelas, trancou a porta e saiu correndo. Passou pelos vizinhos e sequer esboçou um cumprimento, atravessou a rua e, no meio do canteiro, lembrou da carta escrita na madrugada. Folhas e folhas de desabafo e de alma derramada sobre o papel. Não poderia deixar para trás todo aquele sentimento exposto, como uma fratura que necessitava de alguma espécie de observação e cura.
       Deu meia-volta e retomou o caminho de casa, amaldiçoando o seu relógio biológico estragado, o salto agulha, a bolsa pesada, a dor na coluna, a fome descomunal de quem não tinha nem bebido um gole de café, e o passado...
          Sentiu um baque seco e a boca ficou úmida repentinamente, a coluna parou de doer, a fome passou, a cabeça pesou e os olhos foram fechando enquanto pensava na carta, inerte em cima da cama - ao mesmo tempo em que jazia para um futuro hipotético.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Ponto final

    Olhou as folhas, leu, assinou e por hábito marcou com um 'x' onde ela deveria assinar, lhe entregando a caneta. Viu as unhas pintadas de vermelho cereja e pensou em como havia mudado aquela que antes nem lhe dirigia diretamente o olhar, por vergonha. Agora até combina lábios e unhas em tom cereja - olha profundamente e emite opiniões sem perguntar se pode fazê-lo. O advogado praticamente pede permissão para intervir enquanto ela fala. Não conseguiu deixar de se imaginar entre aquelas folhas e pessoas, fazendo sexo com ela na mesa. Gostava da esposa submissa, admitia, mas essa cheia de personalidade lhe dava um tesão inexplicável. Logo ele, que agora tinha uma outra mulher com 10 anos menos e de seios turbinados - se sentindo atraído por aquela que ele abandonou.
       A caligrafia impecável, da moça estudiosa do interior, continuava a mesma. O traçado fluía pelo papel como se fosse soprado por um vento invisível. Nome e sobrenome, ponto: acabou de vez. Agora está solteira novamente e certamente vai casar com algum babaca. Vai aprender novas receitas e cozinhar para ele provar, fazer massagem quando o imbecil chegar estressado do trabalho, abraçar e cheirar o pescoço pra dizer o quão cheiroso o idiota está, telefonar no final da tarde para perguntar se vai chegar cedo em casa e o que deseja para o jantar. Ou então vai se tornar essa versão moderna, com cinta-liga e salto-agulha, que liga pra dizer alguma sacanagem enquanto diz estar sem calcinha esperando pra ser o jantar dele.
        Como se escutasse os pensamentos dele ela o olhou enquanto cruzava as pernas e o deixava ver a calcinha, tão cereja quanto o resto do conjunto. Sorriu. Era a vingança dela ver o marido boquiaberto. Fez ginástica, comprou novas roupas, começou a frequentar a terapia, saiu com amigas, redecorou a casa, foi viajar - e se deu conta do quanto tinha se anulado pra satisfazer aquele que a queria dentro de uma cúpula de vidro. A ironia foi ele mesmo ter rompido o casulo, a deixando por uma ninfeta calibrada e instável. Ficou sabendo através da filha das características mimadas da escolhida de seu ex-marido. E riu, por horas.
         Levantaram-se e apertaram as mãos. A situação foi muito formal, nem parecia o final de um casamento de 26 anos. Dois filhos, um cachorro cego, dois gatos siameses, um papagaio que se perdeu na viagem para a praia, uma televisão que os fez brigar umas cem vezes e teve o controle remoto guardado dentro do freezer pelos filhos, um jardim cheio de girassóis e duas macieiras, vinte jantares à luz de velas em comemoração ao aniversário de casamento, um Natal entre goteiras e baldes com risadas e canções, dez invernos cheios de cobertores empilhados (por causa dela) e com ele dormindo pelado, uma noite inteira em claro no nascimento da filha enquanto ele a enchia de beijos e recebia alguns resmungões, um choro convulsivo dele amparado pelo abraço dela e dos filhos no velório do pai, [...].
          Um acúmulo de momentos compartilhados congelado para sempre. A novidade renovando o ar, egos inflados pelo orgulho - e uma lágrima represada em cada um. Era a vingança da memória.

domingo, 22 de abril de 2012

O meu estereótipo


Estou devendo a um amigo este texto, já há algum tempo. Ele pediu que eu descrevesse como é ser o estereótipo da beleza e como fiquei olhando sem saber o que queria me dizer, explicou: Loira, alta, magra, olhos azuis, corpo delineado, bonita... Bom, vou dizer então como é ser o estereótipo social da beleza {e não que eu o aprove}.
Quando as pessoas me olham, e se deixam levar por uma ideia coletiva daquilo que eu sou, elas se precipitam em um julgamento pré-concebido do meu ‘eu’. Parece mentira, mas eu tenho de provar para algumas pessoas que não sou fútil, nem vulgar, ‘fácil’, burra, esnobe e etc.
Alguns me olham, veem um sorriso no meu rosto {sim, sorrio muito} e creem que minha vida é perfeita, um conto de fadas ou algo assim. Pelo contrário, eu sorrio porque foi minha escolha: encarar a vida pelo lado positivo, ter bom-humor apesar dos contratempos e das tristezas. Se me permitir ficar ‘carrancuda’ de nada vai adiantar e ainda por cima vou ter de me aturar desse jeito. Prefiro ser uma boa companhia para os outros e, acima disso, para mim mesma – porque eu passo a maior parte do tempo convivendo comigo, não é?
Nasci em um bairro simples e tive de conviver com a violência bem de perto. Acho que foi com uns oito anos de idade que vi uma arma pela primeira vez: apontada para minha mãe e para mim, enquanto éramos assaltadas (assaltos foram alguns... não fiz questão de contar). Tive o infortúnio de veri uma arma mais uma vez pelo menos antes dos 12 anos de idade. Nossa casa foi arrombada duas vezes e é bem angustiante saber de outra pessoa ali, vasculhando os nossos pertences e levando aqueles tidos como ‘de valor’. Sem falar que era difícil dormir uma noite de sono inteira tranquilamente quando se ouvia gritos, tiros ou se sabia da possibilidade de um aparente barulho no telhado provocado pelo vento ser alguém tentando entrar. Foi ótimo conhecer a sensação de dormir uma noite inteira, sem acordar sobressaltada por algo assim, e isso aconteceu quando tinha 16 anos – ao ir morar em um apartamento num condomínio fechado.

{Posso dizer que a minha vida só melhorou, com o tempo e as novas oportunidades, através das escolhas e, sobretudo: da vontade de crescer como pessoa e ser ao menos um pouco melhor a cada dia. É algo difícil de optar, pois é sempre mais fácil acomodar-se e seguir caminhando por onde a ‘correnteza’ te leva.}

Eu posso parecer uma boneca, de longe. De perto vão ver que tenho cicatrizes de tombos de infância, que tenho dores, medos, sonhos. E perceberão as falhas, as opiniões radicais em alguns pontos... Vão se dar conta de que eu tenho um coração, e sangra. Minha vida emocional está longe dos contos de fadas imaginados pelos outros - já tive paixões platônicas, tomei foras, fui traída. Já tive de me reerguer depois de final de relacionamento e também passei por desmanchar a ilusão de estar com alguém que não dava a mínima pra mim e com quem nunca teria um relacionamento. Sofrer por amor: conheço bem. Se iludir: idem. Desistir de alguém: bingo!. A vida é assim mesmo, e algumas mulheres creem {inocentemente} ser um corpo, uma ‘embalagem’, capaz de conquistar e fazer tudo dar certo na vida. Pois bem, eu sei bem que isso é uma ‘balela’: não interessa o corpo que nós temos e sim como nós nos sentimos dentro dele. A forma como interagimos com o ‘mundo’ ao nosso redor é bem mais importante do que não ter celulite, ter um corpo escultural, cabelos esvoaçantes, olhos azuis ou qualquer outra invenção dessas.
Mais um problema, de ser um estereótipo, é o fato de algumas mulheres não quererem a minha companhia. Eu realmente não sei, não entendo... pode ser competição, por se sentirem intimidadas de alguma maneira, ou quem sabe eu sou tremendamente chata e entediante {quem sabe?}. Na maioria das vezes eu sou realmente muito simpática, e não faço esforço para isso: eu sou assim. Infelizmente parece que as outras mulheres percebem isso como uma ‘forçação’ de barra, me fazendo passar por boazinha e etc. Pelo que percebo os homens parecem gostar da minha companhia, entretanto eu tenho de ‘provar’ que a minha simpatia é só ‘eu sou legal, tá?’ em vez de ‘olha, sou fácil’.
Sem falar no comprometimento intelectual: loira, bonita, simpática... ‘hum, ela deve ser burra’. Não, sinto muito. Sou bem inteligente e tenho bastante personalidade, sou palpite, opino, critico, falo mesmo... não tenho a menor vocação pra moça comportada que se submete às vontades alheias. Acabo sendo polêmica algumas vezes em alguns diálogos. Sempre gostei de ser eu mesma, original de alguma maneira, sem ser parte de alguma ‘catalogação social’. Pergunto quando não sei e esboço teorias de vez em quando. Sei da quantidade enorme de coisas desconhecidas por mim e que talvez a maioria ainda vá permanecer assim, mesmo com o tempo e as experiências.
Então, esse é um resumo. Gosto da ideia de que as pessoas vão começar a se olhar através das aparências, em busca das essências. Ir além da superfície das impressões manipuladas pela sociedade, mídia ou preconceitos e realmente tentarem conhecer o outro por dentro, pelo avesso. Somos feitos de muito mais e o importante está sob a maquiagem, roupa, corte de cabelo... status social, religião, partido político, time de futebol ou qualquer outra forma de segmentação. Talvez algumas pessoas me olhem desse modo segmentado e limitado, deixando assim de saber quem sou realmente. Estou fora de qualquer rotulação, todos estamos – cada um é único. Eu procuro derrubar os muros que me impedem de conhecer {o máximo possível} aquele outro ser em contato comigo, não importa quanto dure a nossa ‘interação’.

{Quando percebo a realidade de outras pessoas, bem piores do que qualquer história triste vivida por mim, eu me sinto egoísta e prepotente – julgando as minhas tristezas maiores do que as alheias. E há inúmeras pessoas com bagagens duras de se carregar e suportar. Prefiro usar a minha como degrau, para elevar minha consciência na caminhada da existência. Esse texto foi um pequeno #mimimi, um desabafo, estou pra escrevê-lo desde o ano passado.}

quinta-feira, 29 de março de 2012

As paredes da nossa pele


Toda pessoa já teve de superar alguma coisa, atravessar uma barreira e seguir em frente. Há diversos níveis de superação: há os físicos, psicológicos, emocionais e deles segue uma ramificação de outros, que os definem mais. Ninguém tem sobre si o controle absoluto de poder determinar como vai ser o seu amanhã, de como vai reagir frente à uma situação. Podemos apenas dar o melhor de nós mesmos para percebermos as oportunidades de crescer com cada situação.
Cada um vive a sua realidade interior, e por mais que digam sabê-lo quando comentamos algo, ninguém pode alcançar o que é estar na pele de outra pessoa. Estamos ‘presos’ à nossa realidade, vivida entre as paredes da nossa pele. Disso resulta uma maneira particular de vivenciar o mundo e de percebê-lo, já que vemos através do nosso olhar – subjetivo.
É aí que surge a superação, depois de aceitarmos a original essência de um ‘eu’ que é somente nosso e da possibilidade de nos fazermos compreender de algum modo. Só conseguimos isso compartilhando esse olhar, único, com os outros seres. Alguns escrevem, outros cantam, outros dançam, outros pintam, outros ajudam, outros fotografam… entre tantas expressões possíveis.
Achei sensacional a ideia dessa fotógrafa, que é cega, de publicar uma foto por dia.
Ela encontrou um meio de superar a limitação e nos presenteou com fotos lindas, cheias de vida. E nós? Como faremos?

sexta-feira, 23 de março de 2012

O príncipe perdido

O príncipe se perdeu no meio do caminho. {São tantas estradas possíveis, tantos caminhos - é fácil de se atrapalhar entre as escolhas da vida. E afinal, todo o dia decidimos algo e recebemos as consequências em um futuro próximo - amanhã ou depois.} Em algum momento percebeu ser um atalho circular aquele que tomava, ora ou outra, e levava sempre para o mesmíssimo lugar. {Nem sempre o caminho que parece fácil acrescenta 'bagagem', algumas vezes o provável se mostra uma grande perda de tempo e de energia. Investimos esperanças demais em pessoas e situações para compreender, em algum momento, ser tudo fruto de nossa imaginação.} E aí, nesse ponto, decidiu olhar para a sua volta e procurar algo diferente daquilo que sempre teve em mente. {É normal estabelecermos alguma espécie de 'padrão' e assim acabarmos 'condicionados' a caminhar sempre pelos mesmos trajetos, também o de nos relacionarmos com 'as mesmas pessoas' - em 'outros corpos'. Há muitos fatores implícitos, e pode haver a projeção de algo que nos marcou na infância... mas aí é muito pano pra manga, vamos manter simples.} Mas ele percebeu estar rodeado de pessoas semelhantes, com pensamentos e atitudes boas e louváveis; entretanto, ainda assim eram repetições de uma mesma 'fôrma'. {É comum nos aproximarmos de pessoas que seguem um mesmo tipo de 'conduta mental' do que nós. Por isso há afinidades imediatas: o reconhecimento de alguém semelhante. Porém, ao procurarmos (em algum momento) alguém diferente em nosso 'entorno' podemos ficar meio frustrados.} Pensou e pensou e pensou em como encontrar a moça 'certa', por estar rumando sempre pelos mesmos lugares e se relacionando com as mesmas pessoas. {Acontece de a pessoa certa aparecer em um momento errado, é normal pensarmos que se fosse pra ser já teria sido e através de observações percebo: há muito o que aprender até se estar 'no ponto' de ver com outros olhos as mesmas situações. É normal termos pressa e assim acabarmos tropeçando e dando de nariz no chão - com o tempo conseguimos ver uma pedra onde antes nem notávamos a sua presença.} Tentou lembrar de alguém especial em seu passado, uma princesa que tivesse passado desapercebida entre os caminhos que havia percorrido... e nada. {Um novo olhar nem sempre ajuda a olhar o passado com novos olhos e é preciso retomá-lo 'ao vivo' pra sentir se algo está diferente. A emoção de vivenciar uma sensação antes desconhecida na presença de alguém.} Desistiu de procurar por ela e se deixou ser procurado, pensou 'a vida vai trazer ela pra mim' e ficou calmo. A rotina voltou ao seu curso, a ansiedade baixou. Num dia tudo transcorreu normalmente até ela surgir, diferente das moças que sempre viu circularem em sua volta - e dessa vez ele não a deixou passar em vão.

domingo, 18 de março de 2012

Vernáculo

Entre as nossas paredes, somos dois
Entre os muros do mundo, somos metade.
Duas partes que se fundem
Numa língua própria
Incomunicável lá fora...
Mas tão abrangente entre nossos olhares
[As percepções que se completam]
E permitem um ir e vir de significado:
Único
(Original)
Particular
(Sem igual)
Ainda em construção...
Pois tudo se move e cresce, com o tempo
{E a experiência}

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Braços de aço

Poderíamos ser lendas, vivas, de almas que se encontraram entre a multidão de tantos com o mesmo anseio de serem felizes. Mas preferimos o orgulho de não dar o braço a torcer.