Era calado. Sempre acreditou que os sinais viriam quando fosse propício. Ficava observando tudo e todos na expectativa de compreender mais a respeito daqueles que tanto se amavam e ainda assim se faziam sofrer. Foi numa noite chuvosa que aprendeu que a os sinais são mascarados por acontecimentos fora do usual.
Já tinha ido dormir pois estava muito cansado depois de ficar horas na frente daquele computador tentando arrumar soluções possíveis para pedidos impossíveis de seus superiores. A chuva caia torrencialmente lá fora e parecia que queria entrar, de tanto que batia nos vidros da janela. Adorava aquele barulho pra dormir mais descansado, relaxava. Mas naquela noite estava inquieto e não conseguia se deixar adormecer, então resolveu descer as escadas e tomar um copo d’água. Ao descer uns três lances de escada ouviu o barulho de um choro contido que vinha do sofá da sala.
Achou estranho pois achou que os pais e as irmãs estivessem dormindo, entretanto seguiu até a sala. Encontrou a irmã mais velha com um papel numa mão e uma almofada na outra abafando o choro. Ficou ali sem saber se invadia aquela privacidade ou se sentava ao seu lado e secava as suas lágrimas. Na verdade nunca imaginou a irmã mais expansiva, alegre e determinada chorando – convulsivamente. Aguardou ainda um pouco pra ver se ela iria se acalmar, mas parecia que cada soluço ia mais fundo em alguma dor e que em algum momento ela iria sufocar.
Foi caminhando e fez-se notar para não assustá-la, sentou ao seu lado e pegou na mão que segurava o papel, tirou a almofada da mão dela e a abraçou forte. Ela soube que podia simplesmente chorar, sem ter de dar alguma explicação e chorou. Molhou o pijama listrado do irmão mais novo e depois de muito soluçar o olhou e sorriu. Foi um momento transcendental para ambos: ela, a extrovertida e tagarela, sendo confortada - ele, o tímido e distante, consolando. Ficaram um tempo se olhando e depois a folha branca toda molhada passou para as mãos dele.
“Amada Ângela,
Foi muito bom tudo o que a gente viveu e isso ainda acontece dentro de mim. Seria ótimo se você pudesse vir para a Itália e pudéssemos continuar de onde paramos, apesar do medo. Sei que se não tentarmos vamos ficar com isso engasgado o resto de nossas vidas. Considere isso como, se não der certo, um alívio futuro. Pense com o coração... é uma dica porque te conheço e sei que a racionalidade vai te tontear e assim negarás meu pedido.
Talvez nunca tenha te dito, mas Te Amo.
Daquele que te aguardou, te perdeu e te aguarda novamente... Marco Antônio.”
No entanto ele não entendeu porque a irmã chorava: se era alegria ou tristeza, se tinha se surpreendido por ter-se passado seis meses desde a separação dos dois e ele mandar aquela carta ou se estava aflita porque iria negar para continuar sua vida no Brasil. Mesmo assim impressionou-se com a expressividade de Marco, admitindo que tinha errado ao negar o que sentia e protelar uma história, expressando que amava quando nunca tinha dito nada parecido, correndo riscos mas seguindo seu coração. Em vez de questionar o que Ângela faria deu-lhe um beijo estalado na bochecha e disse: Viva, mana, mas ame de verdade. Se não tiver sentido não vai valer a pena e correr riscos faz parte do cotidiano. De que você quer se lembrar daqui há alguns anos?
Subiu aqueles degraus como se estivesse galgando o nirvana. Quando fechou a porta e se deitou na cama ficou olhando pra chuva e pensando em quanta coisa deixou de viver por isolar-se de seus reais sentimentos. Ficava aguardando um sinal em vez de fazer acontecer e assim perdia muito tempo. Nunca imaginou que as palavras que saíram enfileiradas pra irmã um dia seriam proferidas por ele, mas sabia que não havia acontecido por acaso: amanhã era outro dia e Bia precisava escutar o que aquele ‘novo’ ele iria expressar. Antes que ele fosse abatido pelos ponteiros que passam velozes e não nos perguntam se já decidimos ou não, simplesmente escorregam o tempo.