Aquela dúvida. Estava ali. Todos os poemas picotados no chão e as fotos molhadas por lágrimas. A porta trancada e as malas na porta aguardando. O aquário em cima da mesa e a Calopsita vagueando pelo sofá – como se pudesse sentir meu tormento. Todos os dias que passamos juntos estavam se mostrando entre as paredes, de forma holográfica e torturante.
O que eu podia fazer a não ser deixar-se ir todo o meu amor? Não poderia segurar você entre meus braços e implorar. Não acredito nisso. Se deixou de ser bom, de me amar, de ser completamente meu... Então ir é o melhor a se fazer.
A geladeira ainda tem o bilhete do dia dos namorados. Te amo tanto que esqueço de respirar nos intervalos...um dia morro por sentir-te tanto em mim. Sei que vou morrer feliz se for assim. Inferno, calvário, dor. Meus pedaços estão junto dos poemas, das fotos, das cartas, e por mais que eu chore não vou desaguar você de mim.
A parede, meio-pintada de branco e meio de azul indica que algo ficou pela metade, inconcluído, perdido no tempo e no espaço destes tijolos empilhados que eram prova e testemunha de tudo o que dizíamos, sentíamos e fazíamos. Onde foi que ficamos? Onde foi parar nossos olhares longos e reluzentes que iluminavam um dia cinza ao entardecer? Para onde se escoaram todas as conversas longas em que tecíamos teorias sobre todas as coisas – tangíveis e intangíveis?
Eu sinto o silêncio cortando-me a pele tão fundo que não sei se vou conseguir pronunciar alguma palavra quando a porta fechar-se novamente e as malas não estiverem mais ali. Talvez eu emudeça pra sempre e vire uma lenda contada pelas mães que querem avisar suas filhas em como se entregar ao amor é perigoso.
Não me arrependo de ter vivido. Apesar das críticas e de falarem que não combinávamos tanto assim. É cedo, esperem mais tempo. Não esperamos e foi bom cada minuto, mesmo os que muito tempo depois começaram a ser profanados por silêncios constrangedores pós-briga. Mas compensávamos com um sexo quente e gostoso, saboreado.
Só que há mais coisas do que o sexo pode complementar. E elas foram tornando-se mais assunto do que todos os nossos sonhos juntos. Fomos distanciando-nos um do outro e de nosso ponto em comum. Inter-mutações e extra-sensações não mais compatíveis. E um fim que foi se mostrando maior. Como se ele já estivesse lá, marcado com um ‘X’ no chão e nós que fôssemos nos aproximando dele aos poucos. E eis aqui o nosso ponto final. Não há espaço para vírgulas ou reticências e nunca fomos dados a isso. Nosso tudo ou nada: foi poesia enquanto durou e ficou o branco da frase que perdeu a rima e a cor.
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