Era um dia frio e eu esperava que a chuva parasse para atravessar a rua em direção á sua casa e finalmente dizer tudo. Tudo aquilo que meu coração transbordava e eu não transformava em palavras por medo, mágoa e protelação de ser feliz. Fiquei olhando pela janela enquanto as folhas de jornal do vizinho voavam pelo meio da rua, enquanto a vizinha do lado saía com as filhas no carro azul-calcinha e enquanto eu molhava minha blusa vermelho-paixão. E eis que a chuva pára e meu coração dispara: - É agora, pensei.
Saí correndo e quando havia atravessado pela porta que eu abri num solavanco voltei, olhei no espelho, limpei o rímel um pouco borrado no canto do olho, passei um batom rosa-bebê e segui, confiante e ansiosa, para dizer-lhe o que minhas palavras já não sabiam mais compor em definição. Que você é muito mais do que um dia imaginei que iria encontrar caminhando sobre este solo.
Atravesso a rua e tenho paciência para esperar o carro branco que vagarosamente passa por mim. Eu olho a sua janela e ela está aberta. Tudo indica que você estará em casa. Estou à sua porta – você consegue escutar meu coração batendo mais que bateria de escola de samba? Eu estremeço e aperto a campainha. Então ouço passos e a maçaneta vira enquanto o chaveiro de sininhos chineses que lhe dei soa com o movimentar das chaves. Eu sorrio na espera do seu rosto mas qual não é a minha surpresa quando vejo uma das mulheres mais belas que nem em capa de revista eu vi. Ela me olha e eu estou muda, travada e confusa. Como não havia a visto chegar? Quem era e o que estava, exatamente fazendo ali? Meu coração dói. E são tantas as questões e variáveis que não agüento e abro a boca: - Olá, quem é você? Ela sorri angelicalmente e com os seus lábios rosa-pink me diz: - Sou prima dele. Estou aqui porque moro perto e ele não está bem. Minha tia me pediu pra vir.
Eu tenho vontade de dizer muita coisa... e silencio. Então pergunto: - O que ele tem? A moça digna de passarelas me responde: - Ele não anda tomando os remédios pro coração. Mas chamei a ambulância e ele vai pro hospital. Você é a namorada dele?
Como eu queria poder responder que sim, que depois de alguns meses juntos e questionando o que você me escondia, porque fazia tanto mistério sobre as suas coisas, porque me mantinha tão à distância eu resolvi aceitar viver esse amor sem ficar pedindo sempre mais. Mas pelo jeito agora eu fiquei sabendo, sem querer e num mau momento, os reais motivos para tudo o que eu reclamava.Foi um filme que passou na minha mente e eu vi todos os bons momentos sempre sendo estragados pela minha necessidade de controlar tudo. Em vez de viver tudo aquilo, em vez de ser toda pra você e aproveitar (os arrepios, os beijos, os carinhos, os abraços e olhares) eu fui egoísta e só pensei em mim e no meu medo de lhe perder. E então eu joguei tudo fora, inclusive você.
- Não.
- Ah, é que ele avisou que ela viria e imaginei que bem... Quer falar com ele rapidinho?
Em pedaços eu disse que não, obrigada. Tarde demais para dizer que eu me arrependo e que eu amo você tanto que me contentaria com um olhar e um sorriso olhando nos meus olhos. É bem pior do que eu imaginei nas pré-visualizações deste momento. Não tenho mais você e acabei de perder parte de mim.
Quanto tempo vou levar para esquecer que meu coração está partido e o seu está doente? Quanto tempo vou levar para me permitir seguir sem olhar todas as manhãs para a sua casa e ver o ‘vende-se’ na placa verde-abacate da imobiliária da esquina?
Quanto tempo tem o tempo quando a gente está se esvaindo junto com os arrependimentos e as palavras não-ditas e engasgadas? Uma eternidade eu digo.
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