quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Tempo pro amor

Poderia dizer que já era tarde – demais para entender o porquê daquilo tudo que eu via havia mais de duas semanas e não estava disposto a ficar batendo com a cabeça pelas paredes pra descobrir. Duas da manhã e eu via aqueles cabelos ruivos do meu lado, sentia o perfume do condicionador de morango (que eu tinha dado de aniversário) e estava acordado olhando o teto. Coisa mais sem graça! Ela sequer percebeu que eu tirei a barba que mantinha por dois meses a fio apesar das reclamações e ameaças de greve de sexo. Bárbara estava com aquela camisola larga o suficiente para enfiar as mãos por dentro e transparente na medida para ver os contornos dos seios. Que delícia de mulher que eu tinha e agora já não sabia mais se ela ia me expulsar da cama ou se ia grudar nos meus cabelos e me deixar sem fôlego num dos seus beijos compulsivos e intensos. Até me lembrei do dia em que nos conhecemos:
- Hmmm, Diego?
- Sim?
- Você vai ficar aí sozinho esperando o Antônio? Acho que ele vai ficar discutindo a relação por mais umas horas com a Renata lá em cima. Tem um pub aqui na esquina, vamos ali conversar e beber algo enquanto eles se “acertam” (aqui teve um tom malicioso e ela me olhou de um jeito que senti todos os pêlos do meu corpo arrepiarem, como se fosse uma “ola” num jogo de futebol).
Aqueles lábios cor-de-cereja-me-morde-e-me-lambe estavam se mexendo interminavelmente na frente dos meus olhos sem que eu me desse conta de que estava hipnotizado. Passaram-se horas e estávamos conversando como se nos conhecêssemos há décadas. Foi aí que ela atacou:
- Hmmmmmmm, Diego?
- ...
- Você vai ficar mais quanto tempo olhando a minha boca sem me beijar?
Eu paralisei. Uma estátua naquele momento sentia-se mais leve e livre... Congelei mesmo. Aquela mulher ma-ra-vi-lho-sa estava realmente me questionando quanto a uma atitude?
- Bárbara, eu...eu...
- Eu nada, me beija.
Foi beijo de cinema, eu senti aqueles lábios macios e desejei morrer. Sério. Se fosse pra morrer queria que fosse daquele jeito e naquela hora. Ela bagunçou totalmente os meus cabelos enquanto acabava comigo apenas com um beijo. E eu nem me importei! Logo eu, dono de uma vasta cabeleira encaracolada muito bem cuidada – que por levar muito tempo para ficar do “jeito certo” era protegida como um tesouro das mãos de qualquer ser vivo.
E depois de longas horas de beijos e de me deixar em ponto de bala, ela me olhou com uns olhinhos doces de menina inocente e disse:  - Tenho que ir ta? Já está muito tarde. Me liga.
Deixou o dinheiro do que consumiu em cima da mesa, saiu, pegou um táxi e eu fiquei olhando que nem um babaca enquanto ela sumia da minha visão. Foi sorte ou competência o fato de voltarmos a nos encontrar? Nunca saberei ao certo. Fiquei treinando como um otário umas palavras idiotas em frente ao espelho que saíram engasgadas quando falei ao telefone com a mulher que ocupava todos os cantos da minha mente.
Foram seis meses até que resolvemos morar juntos já que não desgrudávamos. Apesar de muitos amigos me alertarem de que poderia ser “uma fria” e de que estava tudo “muito rápido” eu não liguei e respirei fundo antes de mergulhar fundo e de cabeça.
Bárbara não fez com que me arrependesse, pelo contrário! Eu agradecia todos os dias a decisão de estar com ela debaixo do mesmo teto. Partilhávamos tudo e sempre dávamos muitas risadas – a gente acreditava que ficar resmungando não resolvia nada mesmo. Era uma atitude positiva, mas sem deixar de encarar a realidade quando necessário.
Talvez por isso a inveja crescia em torno de nós. Nunca fui de acreditar que isso fizesse efeito, entretanto de acordo com as circunstâncias fui obrigado a abrir meus olhos e perceber algumas estranhezas que começaram a ocorrer. Amigos meus começaram a discursar contra o meu relacionamento e fidelidade, além de questionarem a fidelidade dela também em relação a mim. As duas irmãs de Bárbara solteiras “convictas” (ou por falta de quem as agüentasse) lhe diziam para não confiar em mim, que eu estava prendendo-a demais e sufocando-a. E até a mãe dela que eu sempre achei que gostasse de mim fez questão de apresentar para mim o ex-noivo da Babi (como eu sempre a chamei) – um cara de futuro “promissor” como ela mesma definiu. Parecia uma reação em cadeia da inveja coletiva contra nós e eu comecei a achar que estava maluco e neurótico. Então resolvi deixar de lado e continuar me dedicando ao nosso amor.
Foi aí que alguma coisa aconteceu. A Babi estava mais introspectiva, distante, calada – algo que nunca foi. Começou a questionar sobre meus amigos, amigas, trabalho, ex-namoradas, família e sobre o que eu queria com ela, o que eu pretendia para o nosso futuro, porque eu tinha escolhido ficar com ela em vez de ficar solteiro. Que esquisitice! – Você está estranha Bárbara. Eu disse olhando sério, acho que pela primeira vez em todo o ano que estávamos juntos. Ela me olhou com olhos de garota abandonada e uma única e solitária lágrima (nunca vi outra naquele rosto lindo) rolou. Uns olhos verdes de piscina que queria se esvaziar e se conteve.
Dali em diante eu desejei ter morrido no meio daquele nosso beijo – já que brigas começaram a ocorrer todos os dias. Parecia loucura, mas era como se Babi quisesse me expulsar da vida dela e não tinha coragem. Talvez ela quisesse que eu fizesse isso para ser o vilão da história, mas eu não queria, foi sempre tudo tão bom...
As duas semanas que antecederam a minha insônia apocalíptica me deixaram zonzo: ora ela me agarrava, beijava, chupava, lambia, comia e ainda me fazia de sobremesa; ora ela mal olhava pra minha cara – como se nem me conhecesse.
Foi aí que quando consegui dormir, apaguei. Ao acordar, o armário semi-vazio e uma carta que dizia: “Diego, você foi a melhor coisa que me aconteceu. Me fez viver a mais intensa das paixões e eu tive medo do que eu pudesse fazer se te perdesse. Mas eu não fui sincera. Já está na hora de nos despedirmos antes que eu deixe de ser a mulher que você conheceu e amou. Adeus meu único amor. Te amarei para sempre aonde quer que eu esteja.”
Eu em pânico fui a todos os lugares e todos me disseram a mesma coisa: - Ela sumiu. Pegou as economias da herança do pai e sumiu no mundo.
Quase morri. Foi quando três meses e meio depois descobri que eu sempre saberia onde Bárbara estaria e sempre poderia visitá-la a qualquer horário, em qualquer momento.
Aí sim, eu soube que já era tarde demais.

Um comentário:

Wladimir Evangelista disse...

Carol

Muito triste isso. Mas eu adoro histórias tristes...